Artigo | O processo orçamentário brasileiro em 2023 – Por Cursino Moreira

O espírito de mudanças que permeou a elaboração da Constituição Federal de 1988 também alcançou a organização do sistema orçamentário brasileiro. Ele criou as bases para um MODELO DE ORÇAMENTO INTEGRADO AO PLANEJAMENTO DAS AÇÕES DE GOVERNO. Trata-se, rigorosamente, de um MODELO DE PLANEJAMENTO INTEGRADO, unindo Planos e seus Orçamentos de execução.  Na prática, tal aconteceria através da implantação de três novos instrumentos legais, articulados entre si, a saber: O PLANO PLURIANUAL -PPA-, documento no qual se estrutura o planejamento de médio prazo para o país, estados ou municípios, contendo os programas e ações  definidos para cada período de governo e elaborado no primeiro ano do mandato do governante;  a LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS-LDO-, destinada a definir, ANUALMENTE,  metas e prioridades da administração, incluindo as despesas de capital, e a fornecer orientações  para a elaboração do terceiro instrumento do modelo, a LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL-LOA. A LOA se refere ao exercício seguinte da sua preparação, com base no conteúdo do PPA, sendo deste modo a ferramenta de execução do plano plurianual. A Constituição de 1988 também restabeleceu a competência de o Congresso Nacional aprovar emendas ao orçamento, prerrogativa que havia perdido durante o Regime Militar de 1964, quando só podia manifestar-se pela aprovação ou rejeição total da proposta orçamentária anual.

Cabe ao Poder Executivo a responsabilidade pela elaboração e encaminhamento ao Congresso, para apreciação e votação, dos respectivos projetos destes instrumentos, segundo regras, procedimentos e sobretudo PRAZOS bem definidos. O projeto da LDO, por exemplo, deve ser enviado ao Congresso Nacional até o dia 15 de abril de cada ano e aprovado até 17 de julho. Caso isto não aconteça, o Legislativo não poderá entrar em recesso. É com a LDO aprovada que o Executivo pode de forma segura e baseado no PPA, propor a LOA, o instrumento de trabalho do dia a dia da administração pública, que vai, ano a ano, dando concretitude ao que o planejamento de médio prazo, expresso no PPA, concebeu.

Trata-se, pois, de um modelo integrado, com suas peças desfrutando de igual importância, cujo sucesso depende do êxito de cada uma.  Por outro lado, é claro que existem, ao lado desta robusta concepção técnica do modelo, dimensões políticas legítimas no seu funcionamento, de que o restabelecimento ao parlamento do poder de propor emendas aos respetivos projetos dá notícias. Diferente disto, contudo, é a prática por parte dos congressistas do exercício de pressões ou até de chantagens contra o Executivo, no transcorrer do seu processo legislativo, por interesses particulares, partidários ou corporativos. Do mesmo modo, trata-se de posição inaceitável a postura do Executivo em valer-se de circunstâncias ligadas a este processo para a obtenção de aprovações de iniciativas encaminhadas a votação das casas congressuais. Mas, no ano de 2023, embora não tenha nele começado, o que se viu foi exatamente tudo o que não poderia nem deveria acontecer nesta matéria.

A imprensa nacional divulgou fartamente a prática de uma tramitação legislativa dos instrumentos do processo orçamentário e de planejamento relativo ao ano de 2024 em total desalinhamento com a concepção oriunda da Constituição Federal de 1988. A começar pelo cumprimento dos prazos, por parte do Poder Legislativo. Para tanto, basta dizer que a LDO, regra da elaboração do Projeto de Lei do Orçamento, cujo prazo para votação estava previsto para 17 de julho, só foi votada no final do mês de dezembro. Isto significa, então, que o Projeto de Lei do Orçamento para 2024 foi elaborado sem as regras de preparo previstas na própria Constituição Federal. Como consequência, o próprio Orçamento para o ano que ora se inicia também só se tornou objeto de deliberação dos parlamentares após a aprovação da LDO, o que significa dizer que praticamente já sob os fogos que saudavam a chegada de 2024. E quem dá notícias da elaboração, discussão e votação do PPA para o período 2024-2027?

Todo esse caótico cenário tornou-se bastante favorável à edição de um Orçamento no qual os representantes do povo brasileiro fizeram constar uma dotação orçamentária de R$ 4,9 bilhões para as eleições municipais de 2024, montante que supera a verba destinada para a mesma finalidade em 2020 em 96%. Para as emendas deles próprios, destinaram um montante recorde de R$ 53bilhoes, dos quais R$25 bilhões destinam-se a emendas individuais, R$11,3 bilhões para as emendas de bancadas e R$ 16,9 bilhões para as de comissões temáticas. Vale lembrar que os dois primeiros tipos são de pagamento impositivo. Nesse sentido, os congressistas tiveram a preocupação de também estabelecerem um cronograma de empenho destes recursos a ser cumprido no primeiro semestre, assim garantindo a influência da aplicação destas verbas nos pleitos municipais deste ano.

Muitos serão os efeitos negativos destas deliberações, destacando-se dentre eles os cortes de recursos nos projetos do PAC, a ameaça de descumprimento da meta de déficit primário zero em 2024 e a forte possibilidade de cortes de verbas e de bloqueios de recursos em vários ministérios ao longo deste ano. Por outro lado, ficou mais uma vez demonstrada a fragilidade política do Executivo ante um Legislativo bastante protagonista, com todas as anomalias daí derivadas. Certamente não fez parte do pensamento do constituinte de 1988 tal distorção no modelo do processo orçamentário que criou.

 

 

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